Desabafo

 

 

Pai,
Sonhei com você, e quando acordei parecia que eu havia estado contigo. Que sonho foi aquele? Havia uma grande tristeza em ti, e você parecia estar precisando de carinho, amor. Sempre fui de afagar, zelar, cuidar, até imagino porque son...

hei. É que você queria me dizer algo.

Nossa família é grande, mas entre nós irmãos apenas existem nós quatro agora, e cada um contribui com o afeto que sabe ofertar. Você disse que minha mãe é cercada por muitos netos e vive sozinha, e que o amor deve ser demonstrado e não guardado. É verdade pai, e eu não posso sair de casa em casa, pedindo que se reúnam lá de vez em quando.
Minha mãe sente falta deles, mas cada um vive a sua vida.
É muito fácil colocar a culpa em alguém e dizer que não vão lá por causa disso, daquilo ou daquele. Balela, não vão porque não querem.

Amor é simplicidade, quebrar barreiras, subir no impossível como se o impossível tivesse asas e nos levasse além do que a vã filosofia quer dizer. O fio de luz é nosso, a energia que se transforma em cada gesto, basta querer.
Eu fico prestando atenção na habilidade das coisas, como elas caminham, como as pessoas esquecem-se de quem lhes demonstrou amor em ações. E vocês ajudaram a todos por amor. O que é mais triste é que ninguém percebeu.

Obedecer ao que o mundo manda é pura burrice, agente precisa valorizar as pessoas, principalmente aquelas que estão próximas a nós, que estão em nós no sangue. Mas não é assim que acontece, e eu muitas vezes choro por causa disso, como agora.
Ninguém consegue fazer uma pessoa de 84 anos ser do jeito que querem que seja. A minha mãe é uma mulher maravilhosa, mas agora ela já não pode ajudar ninguém, agora quem precisa desse cuidado é ela.

Eu sei que a maneira que ela aprendeu de demonstrar carinho aos familiares, foi estar presente sempre. Ela não aprendeu a afagar como eu agrado minha neta, ela aprendeu a afagar apenas com o coração quando eles precisavam ou não. Eu lembro que minhas cunhadas quando ganhavam neném, as suas mães vinham só para visitá-las, mas era a minha mãe quem cuidava delas e foi assim que eu cresci, vendo a bondade de minha mãe espalhada no meio da rudeza da vida.

Eu sei que você pai, não está gostando nada do jeito que as coisas estão, porque aí a união e o amor são coisas brilhantes, criadas por Deus. Mas amar nesse planeta dói pai. Mas eu não vou modelar uma beleza que não existe no meio do egoísmo.
Ainda há pouco o dia nasceu e eu estava tentando escrever um sonho, um sonho que me deu um nó na garganta, porque não gosto de coisas mal resolvidas. Depois de tantos anos, sonhar contigo triste por coisas que deveriam ser diferentes, me doeu. No entanto, eu aqui posso tirar coisas de dentro de mim, que muitas vezes me sufoca, porque eu não posso fazer pelo outro o seu dever de casa.

No entanto pode ficar tranquilo paizinho, enquanto Deus quiser estarei cuidando da nossa família, segurando a esperança para que não se despedace. O mundo roda veloz demais e o afago com que lidamos com o outro, lidará com a gente no futuro. Deus nos manda amar e amar do mesmo modo como queremos ser amados. Existe um grandioso amor em cada um de nós, mas muitas vezes ninguém fala sobre isso, daí o coração guarda e a boca não fala. O tempo passa e alguma coisa endurece o amor feito cimento.

Não quero endurecer o meu amor nunca, quero falar dele, demonstrar, sentir e doar. Eu fico imaginando se a gente pudesse ser apenas braços que acolhem, talvez a vida das pessoas tivessem menos peso, ou peso nenhum.
Mas há uma dureza em compartilhar ali. Eu acho que algumas pessoas entendem que quando Deus disse “amai o teu próximo como a ti mesmo”, é amar só aqueles que estão mais próximos dele. Isso é preconceito e egoísmo, o amor passou foi longe.

Deus, põe no meu coração paciência para lidar com gente assim, que carrega um deserto e pensa que é um oásis, mas o ermo é grande.
Aprendi tantas coisas... Se hoje falar a verdade é se expor, quero viver exposta, porque se não cuspir o que tenho preso na garganta adoeço com certeza. Para isso, não preciso ser indelicada, nem gritar. A escrita se tornou realmente meu divã, e não faço isso por outro motivo a não ser por amor.

Continuo muito emotiva, choro por mim e pelo outro. Não consigo ver ninguém sofrer, se sentindo excluído, mas sorrio fartamente também com a alegria dos que amo e dos que aprendo a amar.
Nesta madrugada eu senti aquela dor de falta, de impotência, porque sonhei com você e você estava triste, por essa distância que cada um tomou na vida, e não valorizou aquela frase que você não disse mas a gente sabia, e que era assim: “um por todos e todos por um”.

Eu fico pensando qual o valor dos tios nas famílias também? Bom, na dos outros eu não sei, mas na minha, um tio é alguém comum, apenas um tio.
Eu desejo que Deus entre com sua mão de amor e de cura e abençoe as famílias, abençoe a nossa também, que se há algo que possa ser juntado, colado, que se junte, que cada pessoa possa entender que amar não é possuir, e sim oferecer.

Amar é muito bom e bonito. O amor é eterno porque é Deus. Deus é um pai que ama seus filhos sem distinção. E se os filhos seguem os caminhos do pai, então cada um pode aprender a amar desta forma, basta querer.

Sabe pai? O que aprendi é que amar não dá trabalho nenhum. O que dá trabalho é concertar o desamor e transformá-lo em amor, mas eu sempre estive pronta para lutar contra isso, e sabe por que? Porque eu quero! Porque eu não vim viver por viver, eu vim viver para amar.

Pai, matei um pouco a saudade, obrigada por ter vindo, obrigada Deus por permitir que eu sonhasse com ele.
Eu desejo que neste natal cada um se ame de uma maneira estrondosa, porque só realmente nos amando assim, poderemos amar o outro merecidamente.

(Isis Carvalho)